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Recta final...

 

Escrevo-vos na recta final do meu serviço em Timor Leste…. Estou a pouco mais de um mês de regressar a Portugal. O coração está inquieto e agitado entre o que deixo aqui e o que tenho aí…

 

Começo com um hino de oração (no final deste artigo) que me marcou desde que cheguei a Timor. Desde o início que os Leigos Hospitaleiros jantam com os Irmãos á quarta-feira e almoçam juntos no domingo. À 4ª Feira é normalmente por este “manual” que se guia a oração. Neste hino, sempre encontrei alento. Não sei se algum dia o terei partilhado com alguém. E nesta altura, faz-me particular sentido. Na altura em que o coração balança em querer ficar, leio a frase “Não tenho aqui morada permanente” e relembro que sou de Deus e tenho de estar onde Ele quer que eu esteja, seja aqui, em Portugal ou na China… Quando me perguntam o que vou fazer a seguir, leio a frase “Luz terna, suave, leva-me mais longe….” e fico de novo com a certeza de que sou de Deus e irei para onde Ele me quiser levar…

 

Quando recordo os dois anos aqui e penso que em muitos momentos não dei o melhor de mim leio a frase “Esquece os meus passos mal andados”…. E no final, quando penso no crescimento espiritual e no caminho que fiz com Deus e para Deus, tenho a certeza da realidade da frase “Basta-me um passo para a Ti chegar”… Basta sempre um pequeno passo para chegar a Ele e no final desta etapa eu estou bem certa que vou continuar a querer caminhar…

 

Alguém que muito estimo e que foi pioneira com LMH por estas bandas, disse-me um dia que me devia começar a despedir 3 meses antes de regressar. Na altura pareceu-me muito tempo. Hoje percebo que é pouco. Deixar o sítio onde fomos tão felizes é algo para que nunca se está realmente preparado. Ainda que tenhamos a certeza de que é a altura certa para ir. Estou a um mês de partir e decidi escrever já o e-mail final a todos vós que me acompanharam. Podia fazê-lo só mais perto de ir, ainda regresso á cidade. Mas agora, perdoem-me, quero ter todo o tempo para aqui em exclusividade. Terei tempo de estar convosco. 

 

Não quero nem vou fazer um balanço do que tenho vivido, experimentado, sentido, partilhado aqui… Este não é o momento para isso ainda. Apenas vos vou dizer que esta dor que sinto no peito quando sinto que as pessoas se começam a preparar para despedir, quando tenho de ser bem forte e conter as lágrimas sempre que a Dona Filomena chora ao dizer que estou quase a ir embora e que vai sentir muito a minha falta, esta dor que sinto quando os alunos se predispõem a andar a pé 3 horas para cada lado só porque “a professora está quase a ir embora e queremos passear consigo”, esta dor que me faz absorver tudo e todos em cada momento, esta dor é apenas o reflexo do amor e da vida que dei e recebi por aqui.

 

Nestes últimos dias percebi que de facto já sinto estas pessoas como família… percebi isso quando a Fátima teve alta e eu fiquei ali, parada, imóvel, a ver o carro afastar-se e vibrei de alegria quando poucos dias depois ela me telefonou de madrugada! Percebo isso quando soube que a Madalena estava em fase terminal e senti o coração despedaçar-se no chão, me predispus a caminhar 6horas para a visitar…E, no momento em que me preparava para sair para sua casa e soube que ela já falecera, senti-me totalmente no chão, sentei-me e chorei, chorei, chorei… Isso fez-me perceber o quanto me envolvi com as pessoas aqui….E fez-me perceber o quanto amei e fui amada…

 

Confesso que este ano foi bem mais difícil do que o ano passado. A todos os níveis. A Flor foi embora, fiquei numa comunidade masculina, a oração comunitária deixou de existir, a própria oração pessoal foi muitas vezes colocada em segundo plano e passei a centrar-me no trabalho apenas… Muitos foram os dias em que pensei desistir, ao longo do ano, confesso; ponderei mesmo não ter a capacidade para ficar até ao fim e para levar a cabo as tarefas que me eram confiadas. A fragilidade emocional fez-me sentir incapaz alguns dias. Isso reflectiu-se em alguns campos, inclusive na saúde. Mas, com Deus sempre a meu lado, com a comunidade que Ele me ofereceu para este ano (que não é perfeita, que tem muitas divergências de opinião mas que é unida e que ainda é capaz de ao fim de um ano rir junta, conversar de trabalho e da vida, estar junta…), com as Irmãs do Preciosíssimo Sangue que em alguns momentos foram anjos, com os ISJD, em especial o Ir. Vítor que com a sua paciência e amizade me foram dando alento para caminhar, muitas vezes sem palavras mas com o seu exemplo e dedicação, com os bolseiros, em particular com algumas meninas, que foram as manas mais novas e ás vezes as mais velhas que nos dão conselhos, e claro com este povo fantástico de Laclubar que em momentos bem simples nos fazem sentir parte das suas vidas, do seu dia-a-dia, da sua família, fui ficando, fui ficando, fui-me envolvendo, fui-me envolvendo e…. Chego ao fim de dois anos de missão com a sensação de dever cumprido, de comunhão, de vida vivida… E se até aqui o coração ainda não tinha balançado com a dor da despedida, agora ele começa a bater descompassado!

 

Tudo nesta vida tem um tempo certo para acontecer. Cheguei em Outubro de 2009. Parto em Setembro de 2011. Tive o privilégio de ser parte integrante do milagre da missão ad-gentes. Cheguei Jovem Hospitaleira. Parto Leiga Missionária Hospitaleira. Cheguei Catarina. Parto Mana Catarina/ Mana Cata, Irmã Catarina, Bin Cata, Alin Cata, Tia Cata, Menina, “Patroa foun”… Cheguei de coração cheio para dar. Parto de coração cheio do que recebi. Cheguei a pensar que mudava o mundo. Parto a saber que o mundo me mudou a mim. Cheguei a pensar “fazer”. Parto a saber que o que mais importa é “ser”. Cheguei “eu”, parto “eu” mas mais rica. O tempo por aqui termina. Começa o tempo no mundo. Se parto triste? Não, não parto triste. Parto feliz por tudo o que pude ser e viver aqui, por todos com quem pude ser e estar, por tudo o que pude dar e receber. A única certeza que levo é a de um dia voltarei aqui, para voltar a abraçar!

 
Mana Cata 
http://www.estemeucoracao.blogspot.com

 

 

Luz terna, suave, no meio da noite,

Leva-me mais longe…

Não tenho aqui morada permanente:

Leva-me mais longe…

 

Que importa se é tão longe, para mim,

A praia aonde tenho de chegar,

Se sobre mim levar constantemente

Poisada a clara luz do teu olhar?

 

Nem sempre Te pedi como hoje peço

Para seres a luz que me ilumina;

Mas sei que ao fim terei abrigo e acesso

Na plenitude da Tua luz divina.

 

Esquece os meus passos mal andados,

Meu desamor perdoa e meu pecado.

Eu sei que vai raiar a madrugada

E não me deixarás abandonado.

 

Se Tu me dás a mão, não terei medo,

Meus passos serão firmes no andar.

Luz terna, suave, leva-me mais longe:

Basta-me um passo para a Ti chegar.

 

(“Dia-a-dia com o Senhor”, hino de oração da noite de quarta-feira)

 

 

Laclubar, Agosto de 2011

 

 

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